Ines Marques Médica Pediatra
Como saber se o bebé tem alergia à proteína do
leite de vaca?
Recebo muitos pais em consulta que chegam preocupados porque o bebé tem cólicas intensas, choros inconsoláveis, refluxo, manchas na pele ou até sangue nas fezes. Muitas vezes, ouviram de amigos ou nas redes sociais que “pode ser alergia ao leite” e ficam com receio, cheios de dúvidas.
A verdade é que a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é uma das alergias alimentares mais comuns nos primeiros meses de vida, mas nem sempre é fácil de identificar. E cada bebé é mesmo único — não há sintomas “típicos” que se apliquem a todos da mesma forma.
Neste artigo, quero explicar de forma simples, com base na minha prática clínica, o que é a APLV, quais os sinais a que os pais devem estar atentos e o que fazer se suspeitarem desta condição.
O que é APLV?
Costumo explicar aos pais, ainda durante a consulta, que a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) acontece quando o sistema imunitário do bebé “confunde” as proteínas do leite de vaca com uma ameaça e reage de forma exagerada.
É uma reação do organismo, que pode surgir tanto em bebés que tomam leite adaptado (fórmulas infantis), como naqueles que são exclusivamente amamentados — já que pequenas quantidades das proteínas do leite que a mãe consome podem passar para o leite materno.
Existem dois tipos de APLV:
- Imediata (mediada por IgE): os sintomas aparecem poucos minutos após o contacto com o leite de vaca. É mais fácil de identificar porque a reação é rápida.
- Exemplos que vejo em consulta: urticária, inchaço nos lábios ou olhos, vómitos quase imediatos, pieira, tosse ou até anafilaxia.
- Não imediata (não mediada por IgE): os sintomas demoram mais a surgir — podem aparecer horas ou até dias depois da ingestão. Este tipo pode ser mais difícil de diagnosticar, porque os sinais são mais “disfarçados”.
- Exemplos comuns: diarreia persistente (às vezes com sangue), cólicas intensas, irritabilidade, refluxo grave, falhas no crescimento ou diagnósticos como enterocolite alérgica.
Como saber se o meu bebé está a fazer uma reação alérgica ao leite de vaca?
Muitas vezes, os pais descrevem um padrão: “Ele melhora quando paro de dar leite, mas volta tudo quando experimento outra vez.”
Os sintomas podem afetar diferentes partes do corpo — por isso, é importante observar o bebé como um todo. Estes são os sinais a que costumo pedir mais atenção:
- Pele: manchas vermelhas (urticária), eczema, inchaço nos lábios ou pálpebras.
- Aparelho digestivo: vómitos frequentes, diarreia (com ou sem sangue), cólicas fortes, recusa alimentar, refluxo ou dificuldade em ganhar peso.
- Respiração: pieira, tosse persistente, nariz entupido sem constipação.
- Comportamento: bebé muito irritado, choro difícil de consolar, sono agitado.
Cada bebé reage de forma diferente. Nem todos os sintomas aparecem ao mesmo tempo — mas costumam repetir-se depois da ingestão de leite ou derivados (diretamente ou via leite materno).
Quando procurar ajuda médica urgente?
Se o seu filho apresentar:
- Dificuldade em respirar
- Inchaço dos lábios ou face
- Palidez ou prostração
- Vómitos repetidos após ingestão de leite de vaca ou produtos que o contenham
Dirija-se a um serviço de urgência imediatamente!
O que fazer em caso de alergia alimentar em bebés?
Primeiro passo: fale com o pediatra. Não é aconselhável iniciar dietas de exclusão por conta própria, sobretudo se o bebé ainda estiver a ser amamentado ou em fase de introdução alimentar.
Na minha prática, o diagnóstico baseia-se sempre na história clínica detalhada e na observação dos sintomas. Nalguns casos, recorro a testes cutâneos ou análises ao sangue — especialmente nas formas imediatas da alergia.
Muitas vezes, recomendamos retirar as proteínas do leite da dieta (do bebé ou da mãe, no caso da amamentação) durante 2 a 4 semanas. Se os sintomas melhorarem nesse período, é um sinal importante. A seguir, fazemos uma reintrodução controlada para confirmar o diagnóstico.
- Quando a dieta não resulta, exclui-se APLV e reintroduz-se de forma progressiva as PLV.
- Quando a dieta resulta, mantém-se durante 6 a 12 meses, com controlo regular do crescimento e avaliações com o pediatra e/ou alergologista da possibilidade de superação da alergia.
- Quando esta possibilidade surge, faz-se tentativa de reintrodução das PLV, sempre progressiva e sob orientação e vigilância médica.
O que pode causar alergia num bebé?
A causa exata das alergias ainda não é totalmente compreendida, mas sabe-se que envolve uma combinação de fatores genéticos e ambientais, entre os quais:
- História familiar de alergias (alimentares, respiratórias ou dermatológicas);
- Exposição precoce a certos alimentos, em bebés suscetíveis;
- Imaturidade do sistema digestivo e imunitário.
A introdução alimentar deve seguir as orientações do pediatra, respeitando o tempo e o ritmo de cada bebé, para reduzir o risco de reações adversas.
O que os pais de bebés com APLV devem saber e fazer?
- Ler sempre os rótulos dos alimentos (PLV podem esconder-se em manteigas, soro de leite ou caseínas)
- Informar creches, familiares e cuidadores
- Manter um diário de sintomas e alimentos ingeridos
- Cumprir a dieta rigorosamente e as orientações da equipa de saúde
A APLV é comum, mas na maioria dos casos não é para sempre. Com o acompanhamento adequado, a grande maioria dos bebés ultrapassa esta alergia até aos 3 a 5 anos.
O mais importante é garantir um diagnóstico atempado, um plano alimentar seguro e acompanhamento regular. Se suspeita que o seu bebé tem APLV, fale com o seu pediatra. Não está sozinho — estamos aqui para ajudar.
FAQ – Perguntas Frequentes
Esta secção foi pensada para responder de forma rápida às vossas dúvidas mais comuns sobre a APLV.
A APLV é o mesmo que intolerância à lactose?
Não. A APLV é uma alergia alimentar, enquanto a intolerância à lactose é uma dificuldade em digerir o açúcar do leite. São condições diferentes.
A APLV é para toda a vida?
Na maioria dos casos, não. Muitos bebés superam a alergia até aos 3 a 5 anos de idade.
Como é feito o diagnóstico da APLV?
O diagnóstico é feito através da avaliação clínica pelo pediatra e, quando necessário, com testes de alergia (cutâneos ou sanguíneos) e dieta de exclusão.
O que posso dar ao meu bebé em alternativa ao leite de vaca?
Existem fórmulas infantis extensamente hidrolisadas (primeira escolha) ou à base de aminoácidos (se sintomas graves, anafilaxia, ou falência das fórmulas hidrolisadas). A escolha deve ser feita com orientação médica e consoante a gravidade da alergia. Em Portugal, estas fórmulas são comparticipadas pelo SNS (Portaria 137/2024).
Bibliografia
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- Neto L, Cunha L, et al. Alergia às proteínas do leite de vaca: da suspeita ao diagnóstico e tratamento. Revista Portuguesa de Clínica Geral. 2016;32(1):34–42.
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